Escrow Account: Transparência no Patrimônio de Afetação

1 de out. de 2025

Escrow Account: Transparência no Patrimônio de Afetação

Escrow Account: Transparência no Patrimônio de Afetação

1 de out. de 2025

Escrow Account: Transparência no Patrimônio de Afetação

Prestação de contas na incorporação e a chegada da escrow account

No âmbito das incorporações imobiliárias que se estruturam sob o regime do patrimônio de afetação (com a separação dos segregação do patrimônio destinado para a consecução do empreendimento), recai sobre a incorporadora uma obrigação de prestação de contas não apenas em favor dos adquirentes, mas também da comissão de representantes que atuam no processo de fiscalização do empreendimento. Essa obrigação decorre tanto da boa-fé contratual quanto do dever de transparência inerente à atividade, sob pena de responsabilização, inclusive, por eventuais desvios, desperdícios ou má aplicação dos recursos e, mais importante ainda, tem origem no art. 31-A e seguintes da Lei nº 4.591/64.

Nesse contexto, emerge uma ferramenta nova prevista no Brasil a partir do Provimento CNJ nº 197/2025: a “conta notarial vinculada” (escrow account), também chamada de conta de garantia notarial. Essa inovação normativa oferece um mecanismo formal e público de controle e fiscalização da segregação dos recursos (ou do fluxo financeiro vinculado à incorporação), reforçando a credibilidade do sistema de patrimônio de afetação e a supervisão tanto dos adquirentes quanto da comissão de representantes.


Conta Notarial - Um novo padrão de prestação de contas?

Nas incorporações imobiliárias submetidas ao regime de patrimônio de afetação, a prestação de contas é um dever próprio da incorporadora, que deve administrar e aplicar os recursos na obra, mantendo bens e direitos apartados do seu patrimônio geral e respondendo por prejuízos que causar ao patrimônio afetado. Essa governança se materializa, sobretudo, nas obrigações que o regime impõe para a incorporadora, tais quais: manter contabilidade completa, movimentar os recursos em conta de depósito exclusiva, entregar balancetes trimestrais e demonstrativos do estado da obra à Comissão de Representantes, bem como assegurar acesso aos livros, contratos e extratos da conta segregada.

A Comissão de Representantes, prevista nos mecanismos do patrimônio de afetação, exerce função de fiscalização em nome dos adquirentes, podendo, às suas expensas (com o rateio proporcional aos outros adquirentes), nomear pessoa física ou jurídica para acompanhar o patrimônio afetado, com dever de sigilo das informações obtidas. Não se trata de órgão remunerado pela incorporadora, em que pese a sua constante manipulação; é um mecanismo de controle dos compradores, com poderes inclusive reforçados em hipóteses de crise.

O ponto mais sensível na prática é assegurar que a segregação financeira saia do papel: os depósitos dos adquirentes precisam, de fato, circular na conta exclusiva do patrimônio de afetação, permitindo rastreabilidade, conferência documental e auditoria. É aqui que a conta notarial vinculada (escrow account), introduzida pelo Provimento CNJ nº 197/2025, aparece como instrumento complementar de governança: ao colocar valores sob custódia imparcial de tabelião, com liberação condicionada a eventos objetivamente verificáveis, a escrow notarial cria uma camada pública de controle que dialoga diretamente com o art. 31-D, inc. V (conta exclusiva) e com os deveres periódicos de informação à Comissão. Em outras palavras, o provimento não substitui o regime legal da afetação nem torna a afetação automática, que permanece faculdade do incorporador, mas eleva o padrão de prestação de contas ao oferecer um trilho procedimental de custódia, verificação e prova documental, facilitando a fiscalização pela Comissão e pelos próprios adquirentes e reduzindo o risco de confusão patrimonial ou de má alocação e desvio dos recursos.


Será o suficiente para mudar o mercado imobiliário?

O Provimento CNJ nº 197/2025 regulamenta o §1º do art. 7-A da Lei 8.935/94, autorizando tabeliães de notas a administrar valores vinculados a negócios jurídicos em contas abertas em bancos conveniados. A movimentação só ocorre quando condições objetivas, previamente pactuadas pelas partes, são verificadas formalmente pelo tabelião.

Na prática, a conta notarial funciona como custódia neutra: os valores depositados (sinal, parcelas, garantias) ficam segregados, imunes à confusão com o patrimônio das partes, e sujeitos à liberação apenas com base em fatos claros, como entrega de certidões, conclusão de etapas da obra ou quitação de encargos. O tabelião não decide litígios, mas apenas atesta o cumprimento das condições; em caso de divergência, lavra ata e mantém os valores bloqueados até solução consensual ou judicial.

O sistema garante prestação de contas eletrônica tendo em vista que depósitos, liberações e comprovantes ficam registrados e acessíveis às partes, permitindo rastreabilidade e auditoria. O custo do serviço não recai sobre os usuários, já que a remuneração do tabelião é feita pela instituição financeira conveniada. Além disso, a ata notarial que comprova o cumprimento das condições pode constituir título executivo extrajudicial, conferindo eficácia prática ao mecanismo.

No âmbito das incorporações com patrimônio de afetação, a conta notarial reforça a segregação financeira, a transparência e a confiança dos adquirentes. Funciona como um mecanismo público de governança, fortalecendo o controle da comissão de representantes e reduzindo riscos de litígios por má gestão dos recursos.

Apesar de facultativa, a conta notarial vinculada representa um avanço inegável em termos de governança e segurança jurídica, exigindo ajustes contratuais claros, definição objetiva de condições de liberação e integração entre incorporadoras, cartórios e bancos.

A grande questão, contudo, é se esse instrumento será suficiente para transformar de fato o mercado imobiliário. Para incorporadoras comprometidas com a boa gestão e a transparência, a escrow notarial pode se tornar um diferencial competitivo e reforçar a confiança dos adquirentes. Já em relação às incorporadoras que historicamente dependem de práticas de má administração, desvios e falta de transparência para ampliar suas margens de lucro em desfavor dos compradores, a conta notarial tende a ser vista mais como um obstáculo do que como uma solução, o que nos obriga a reconhecer que a mudança estrutural talvez dependa menos da norma e mais da efetiva disposição do setor em se submeter a controles mais rígidos.

Outro ponto que merece reflexão é se a conta notarial vinculada não deveria ser incorporada também pelas próprias instituições financeiras que financiam os empreendimentos. Afinal, são os bancos que muitas vezes controlam o fluxo dos recursos captados junto aos adquirentes e repassados à incorporadora, definindo etapas de liberação conforme o cronograma físico-financeiro da obra. Se a escrow notarial fosse exigida ou integrada a esse processo, haveria não apenas um reforço da segregação patrimonial, mas também uma padronização da fiscalização, unindo adquirentes, comissão de representantes e financiadores em um mesmo sistema de controle. Isso poderia reduzir drasticamente o espaço para práticas abusivas, ainda que imponha às instituições financeiras a responsabilidade de abandonar a lógica de conveniência que muitas vezes favorece a incorporadora em detrimento da transparência.

Escrow Account: Transparência no Patrimônio de Afetação
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